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Saturday, April 21, 2007

Sabedoria e uma cueca roída

Quase um mês depois e o pai do Calvin continua contando-nos histórias antes de dormir. Não sei bem, mas é quase certo que ele só o faz para que durmamos logo. O que obviamente não ocorre, já que Calvin e eu adoramos histórias.

....

Certa vez, um mestre e seu discípulo meditavam em uma pequena cabana, longínqua do mundo, em silêncio. O discípulo era um rapaz promissor, dedicação única, potencial imenso, sabia o mestre. Logo o mestre passaria seu poder de mestre para o discípulo e poderia então descansar em paz. Mas para tal havia antes um teste.

Numa bela manhã, logo após a meditação, o mestre chega ao discípulo e diz:

- Hoje partirei, meu caro.
- Para onde vais, mestre? E meu treinamento?
- Este é seu teste, meu amigo. Voltarei daqui a algum tempo e, caso estiveres mantido tuas virturdes, tornar-se-á mestre, assim como o sou.
- Está bem, mestre. Estarei aqui, meditando e esperando seu retorno.

Por um tempo, o discípulo viveu em paz. Um dia, para ser mais exato. Ao acordar na manhã do outro dia, enfrentou um problema: sua cueca, sua única cueca, aquela cueca já velha e puída, havia sido roída. Ratos na casa! Foi então à cidade arranjar uma nova cueca.

Passava de casa em casa pedindo uma doação dos moradores da pequena vila próxima à cabana em que vivia. Não foi fácil, mas conseguiu então uma nova cueca. Já era usada, mas era o que ele possuía.

Ao amanhecer do outro dia, no entanto, a nova velha cueca também estava roída. Malditos ratos! O discípulo foi então à cidade e, além de uma nova cueca, conseguiu um gato para comer os ratos para que não roessem a cueca.

O gato logo comeu os ratos, mas então ficou sem comida. Sem ter como alimentar o gato, foi novamente à cidade e trouxe uma vaca. A vaca daria leite que alimentaria o gato que comeria os ratos e assim o discípulo manteria sua única cueca. E o jovem poderia dedicar-se à meditação.

A paz, contudo, não durou muito. A vaca logo comeu tod o pasto em volta da pequena cabana e ficara sem alimento. O discípulo precisaria plantar grama, mas não devia desviar-se de sua meditação. Foi então à cidade e trouxe dois homens para trabalharem na propriedade. Os homens plantavam a grama que servia de alimento à vaca que dava leite que alimentava o gato que comia os ratos e, assim, o discípulo mantinha sua cueca e podia meditar.

No entanto, os problemas voltaram logo. Os homens precisavam ser controlados, ou então não fariam seu trabalho de modo correto. O jovem, porém, devia ater-se a seus afazeres e esquecer isto. Para tal, foi à cidade e arranjou uma esposa. A esposa cuidaria do trabalho dos homens que plantariam a grama que a vaca comeria, dando o leite que alimentaria o gato que comeria os ratos e, mais uma vez, a cueca permaneceria inteira. E o discípulo pode voltar à meditação.

Cinco anos mais tarde, o mestre retornou de sua viagem e, surpreso, adentrou o que antes era uma diminuta cabana. Via ali inúmeros empregados trabalhando em lavouras de diversos produtos, uma mansão luxuosa e imponente, uma mulher comandando a propriedade e várias outras obras magníficas. Riqueza e opulência nasceram daquele solo. Mas onde estava o discípulo?

Ao longe, no alto de uma colina, uma árvore imensa erguia-se e lá, sob a sombra frondosa, estava o discípulo, em meditação profunda. O mestre foi com ele falar. Teve que dar uma belo grito, pois era uma meditação realmente profunda.

- Meu caro discípulo, olá.
- Mestre! O senhor retornou! Seja bem-vindo.
- O que é tudo isso, rapaz? O que houve por aqui?
- Mestre, tive que arranjar uma esposa para comandar os empregados para que plantassem para que a vaca comesse para que desse leite ao gato para que este comesse o rato para que não roessem minha única cueca. Uma coisa puxou a outra e cá estamos.
- Entendo, meu jovem.
- E então mestre? Tornar-me-ei mestre?
- Faço-te só uma pergunta: ainda usas aquela mesma cueca?
- Sim.
- Então tomes o meu manto, pois serás mestre! Conseguiste manter-se com a mesma cueca em meio a tanta riqueza. Mereces meu manto.

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Agora vai me dizer como o Calvin vai alcançar a sabedoria se a mãe dele obriga-o a trocar de cueca todos os dias?